terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ESTE PRESÉPIO


Pintura/Langue de Morretes
(1953)



Do meu amor eu não o canto a Babel
nem o vejo no delírio do povo
este tabernáculo é quintal
e guarda o meu pé de sabugueiro as floradas
da minha criança
bebo da losna amassada
escrevo com cunha de pinhão e derramo
do cálice esta pinha desfolhada
pinta a manjedoura do céu a pomba a estrela guia da araucária
Este presépio é pastor das minhas ovelhas


FELIZ NATAL!
PRÓSPERO E ABENÇOADO ANO NOVO DE 2011!

Margeandos


foto/Chico Stefanello


O estranho caminhante que passa ao meu lado
não me vê
falamos hemisférios diferentes
nossos olhos tem altos e baixos castanhos
e não podemos ver o céu com o mar na mesma pessoa
nem o sentido oculto das pedras
Ele me olha e eu não consigo vê-lo
Ele me vê e eu não consigo olhá-lo
só nos cumprimentamos
um leve aceno e um sorriso lacônico
e a porta fecha-se
passamos como nossos passos
fico só ouvindo o som do meu tambor
o dele vai tamborilando ao longe
O luar se esfuma atrás dos ramos
entre os nossos olhares cortados
houve a ciência que nada disse

domingo, 12 de dezembro de 2010

Haicai 22






Na voz desta flauta
sobrevive o triste pássaro
na alma da floresta

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Haicais 30/29/28




haicai 30
borboleta negra
engole a luz no deserto
apaga areias


hacai 29
Primavera morta
esparge cinzas das horas
réquiem sem flores


hacai 28

No desfiladeiro
o grito incontido eco
esvazia o verbo

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Haicais 34/33/32





34.
Folha seca ao vento
flutua na morna brisa
o lamento escreve
33.
Borboletas aladas
sopram as flores do tempo
florescem ao vento

32.
Na boca do lírio
a seiva viva lavra
o pólen do verso

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Uma fábula pode não ser uma fábula


imagem/Alejandra Oviedo

(Líricas de um Evangelho Insano)



Uma fábula pode não ser uma fábula mas a concha do caracol cresce acompanhando as medidas de seu habitante, já disse alguém. O espírito busca experiencialidades e a minha sombra pode ter ressonância. Tudo dorme na semente, o leito, a casa velha, o poeta que se perde pelos labirintos da infância correndo atrás de seu ponto de interrogação. Ponto que brilha em perspectiva do olhar de cada um. A palavra secreta não abre as portas todos os dias e as chaves guardam o armário e seus discípulos...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

CHILREAR





(Líricas de um Evangelho Insano)
Os instantes desfolham silencios
desfolham minhas aves ocultas
chilream abandonos
Esta sombra madura esvoaça
cai da minha retina desnuda
o silencio desfolha este corpo
verso errante do teu
sangrias de outono
estas asas esfumam-se
repica como folhas ao vento
este vazio...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Travessia



foto/auto-retrato
Lilian Reinhardt


(Líricas de um Evangelho Insano)


Moro no tempo da minha compreensão
atravesso a minha paisagem e quem me vê?
As sombras são transparentes
quando deixam amarras no cais
as minhas árvores dormem no meu porto
sou apenas vulto da minha idéia no mundo
enquanto o espírito gira-me no vácuo
seguirei minhas linhas difusas
sem conhecer das palavras senão ocasos
distâncias entre as árvores
enquanto minhas sombras rasgam as vestes
tudo parece guardar-se ao vôo e à passagem...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

LUA DE PRIMAVERA





(Líricas de um Evangelho Insano)



Caminharei contigo e andarás comigo
pois te colherei a noite as tuas espigas
e ficarei sem dormir como teu girassol
enquanto as ovelhas se recolherem...
e te serei toda realidade e abandono
não diga nada e nem acorde de novo
não peça nada a ninguém
nenhum óbulo ao teu povo
não é preciso deixar a janela aberta
nenhuma filosofia tem certeza alguma...

domingo, 14 de novembro de 2010

HAICAIS







IIIC
Fiação na roca
umbigo cósmico e tear
ponto no espelho


VI/A
É pássaro cansado
no preâmbulo do instante
este caminhante

VII/B
Pão da brevidade
a dor do tempo é fome
à mesa da campa

domingo, 7 de novembro de 2010

Além dos grãos do poema







(Líricas de um Evangelho Insano)
"a vaidade apaga a luz..."

A flor amarga quando a boca
mastiga o poema
mas os grãos da cor tingem
o sol dos dias intensifica
quanto mais cinzas na carne de seus irrevelados tons

Amor não são palavras
escrituras são escrituras
traslados de verbos
amor é ato
silencioso e velado ato


é verso do corpo na alma que sangra
além dos grãos do poema





http://www.lilianreinhardt.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=2569078

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Momento da rosa





(Líricas de um Evangelho Insano)

Cada instante é o momento da rosa/
sem_hora do espinho...

sábado, 30 de outubro de 2010

Lago da alma no corpo/III


ilustração/LReinhardt





(Líricas de um evangelho insano)
O que seria do vazio de uma casa sem memórias? Estico o fio e subo por ele e vou subindo, subindo e amarrando as pontas e retecendo esse arame de contas que vai segurar as gotas no meu varal quando a chuva vier e nele vou me enrolar como um carretel de Ibere (*)quando o tufão aparecer e quando a noite ficar des _semeiada, ficarei ainda assim com ele na escuridão captando reflexos pelas paredes desertas, ouvindo suspiro das minhas sombras regurgitando auroras, então de aranha malsã haverá uma maçã que num repente cairá sobre a cabeça de Newton e desde então meus pés jamais poderão deixar a roca dessa curiosa dança...

(*) Ibere Camargo/19l4/1994/pintor, desenhista, gravurista/mestre/notável expoente da arte brasileira do séc.XX

domingo, 24 de outubro de 2010

Lago da alma no corpo





(Líricas de um Evangelho Insano)

Desde
o princípio ele viaja carregando-me consigo além do tempo com as mil e uma
vozes dos caminhos do lago da minha alma em seu corpo...


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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

DOS TEUS PASSOS QUE OUÇO E ME DECANTAM








Sob o teclado da escuridão
as notas da tua imensidão
dos teus passos que ouço
além das cinzas do tempo
eles vergam a fome
da corola desta tua flor incandescente
e decantam em fogo e púrpura
o fôlego das ilusões dos alvéolos meus
A tua ternura floresce
as pedras crispadas
e o beijo silencioso
de tua correnteza acesa
desemboca impetuoso
Canção do meu cântaro
nesta minha boca de argila
rio de minhas fráguas
rio de noturno e soturno teclado meu
de tessituras além das nomenclaturas
Gravitam-me teus ecos
no deserto da minha respiração/
bebo dos teus versos de profundo e silencioso arquejo
além dos poros na forja dos sentidos meus...

domingo, 10 de outubro de 2010

Do verbo da ovelha da ovelha do verbo/releitura






(Líricas de um Evangelho Insano)
(releitura)

Na lã da infância se guarda o eterno
disse um alfabeto ancião sob florido cajado
de encovado sorriso descovado e de
cerne de cabelos de perfumada ausencia
Se perder do rebanho é como cair
da gravidade do poema a árvore
sem fazer-se renascenças
O eterno guarda o pastor nas ovelhas
da árvore
e o rebanho cuida das sementes
mesmo no vento da boca
II
O amor é um verbo de renascenças
soprado debaixo da pedra
levita os sonhos dela
e todo rebanho da janela cega
se Ilumina
III
Mas, amarga o sabor do rebanho e do pé do verbo
quando ficou sem sol sem quarar o poema
e os olhos se encardiram

IV
A lã teima o verbo e esquenta
o gelo da pedra de incenso das nuvens.
rebanhos de sementes na roca fiam
perdidos olores florescem...

sábado, 25 de setembro de 2010

Se eu fosse teu lírio do campo


imagem/Scott Pecks por Berussa





Se eu fosse teu lírio do campo não me perderia como formiga de plástico nessa primavera de olhares sintéticos,
seria testemunha da minha água viva e não deixaria engarrafar-me para satisfazer a sede
amotinada das minhas torres de papel.
Acreditaria na fidelidade e na fecundidade do grão do olhar único e não deitaria nas mansardas em delírios minhas secretas trovas a ti....
Se eu fosse teu lírio do campo/da minha nova pátria/ te amaria até o fim e te acordaria sempre com meu beijo quente em sol maior como este com que me acordaste hoje ao amanhecer...

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sábado, 18 de setembro de 2010

Que fizeste tu com minhas flores?


foto/Nuray Engin

(Antes de Heráclito as águas e as flores já eram de fogo e sangue!)

Que fizeste tu antes e depois do agora?
sopras e apagas e mesmo assim floresces
que fazes tu com essas flores do agora?
deixei-te bilhetes à porta do acaso
escrevi -acasos por bilhetes
escrevi no vaso no vento
escrevi na chuva e fora do tempo
e não me ouviste
então canto para não morrer
canto porque a flor sangra/tenho fome
e é preciso não morrer além das palavras
e mesmo assim só tu és ainda minha ventura
e desventura como diz Borges
Inesgotável e pura!

sábado, 11 de setembro de 2010

COÁGULO


foto/Lilian Lichowski




(Líricas de um Evangelho Insano)


Vivo e vou morrer
nesta floresta arcaica
sem nada saber
sem nada entender sobre a doçura
e o veneno desta flor...
sobre este coágulo que floresce leite!
Se pudesse eu derreteria os ventos
e sangraria em mim
as sílabas das crisálidas
desta dor de tua metáfora...


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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

FLORESCÊNCIA II


imagem de Scott Pecks por Berussa

(Líricas de um Evangelho Insano)

Em tuas secretas pétalas
bebo-te amado meu
contenho em meu corpo as tuas cores do leão
exalto a tua grafia de dragão
e sou tua criatura criada
nas linhas de Altamira alada
em único caligrama
em tua pele a quatro mãos
rés do chão sob tua luz
flutuo flor de tua lava!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ISTO NÃO É UM POEMA PARA MAGRITTE


pintura/Magritte





(Líricas de um Evangelho Insano)



O poema é feito de azeite?
Me gusta levedura natural,
misturo alho com leite,
um céu sem continente, sem novelo, hibernal,
isto não é um poema, não é uma prosa,
não é uma pátria. É uma pátria! E, talvez seja uma rosa!...
Uma coxia, mas, nunca um tribunal!
Ou será um funeral ocidental?!
Talvez um corrimão, uma demão,
um par de tênis deixado no corredor,
um condenado à espera da hora da câmara,
um poema pode ser bem uma tentativa,
uma nova nomenclatura de Marselhesa,
um delírio tremens de existir,
um endosso de Lombroso,
ou um cascalhar de algum grafite pelos riscos,
dos rios, das favelas, deste país sem chão...
de subsistir, de inexistir,
de rumorejar, de ser e retroceder,
de retrilhar os sonidos da contramão.
Um poema talvez nunca tenha a sua hora
do feijão.
Mas, talvez possa pincelar texturas,
com pátinas de gemas de tempo forçado, ainda não vivido,
de amadurecer pomos de amores d'outros coalhados,
no mó do gozo arrendado.
Tudo talvez seja o todo num poema que seja e não seja,
palavras soltas, apenas palavras,
sílabas mal calcinadas,
sinais perdidos na estrada,
só pra soprar bolhas,
de palavras de Hiroshima,
de sabão?!!!!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

SOU DO CANTO DA MINHA AVE





Sou do canto da minha ave
sou do canto do meu rio
meu rio ajoelha a hora do crepúsculo
e acende-me as cinzas dos meus frutos
e navego-lhe nos barcos de suas asas
sou terra orvalhada
e só o mistério dele reconhece o silencio
do meu chão!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

OITAVAS



pintura de Alexander Sigov




Ouço canticos que não me veem
mas a tua palavra indecifrável sempre me acompanha
e fazemos solo/

A noite se desnuda
e arranca-me de suas carnes suas fagulhas
e me cospe com suas unhas
com elas dedilho as tuas cordas...

sábado, 14 de agosto de 2010

TINTURA


imagem/Nooraldden Amen


Escorre em linha tinta
esse vinho seco da minha boca
dança sob o lago negro

terça-feira, 13 de julho de 2010

CABELOS DO PÓ


Desenho/Bruno Di Maio
(Líricas de um Evangelho Insano)

Eu não posso emoldurar os cabelos do pó
não posso emoldurar a lágrima
nem o tempo das tuas mãos
mas teço as sombras sob teu corpo
das contas das gotas dos meus olhos
qual sagrada procissão
que me revela
além da moldura
a cegueira da minha visão
enquanto os beirais exalam
o teu incenso amado meu!

AVE VENTO



foto/sortilégio de Maitta


(Líricas de um Evangelho Insano)



Ave vento
canta pelo caminho seu hino
para não morrer de fome
mas o coral do tempo
desafina
nesta cidade
envernizada
ruídos ressoam
atrozes
gozos de falsos gemidos
sussurram
com suas bocas envenenadas
delírios colhem-se
cataventos giram
invólucros despem
amanheceres dissimulados

quarta-feira, 30 de junho de 2010

OPTICAL





Há em mim uma nota que dói
entre o olho do amanhecer e a noite que se contrai
nele habitam os desejos do meu corpo e
as galáxias da minha alma
até encontrar o lugar do vazio
enquanto rasgam as borboletas
as páginas das margens
dos versos que bóiam
sobre a lagoa seca de caniços...
Queria dizer-te do meio tempo
do meu meio corpo
do meio tom da metafísica e seus arrepios

sábado, 19 de junho de 2010

A VIDA COM JOSÉ SARAMAGO





"A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."

José Saramago




http://www.facebook.com/profile.php?id=1011685103#!/arquivo.livraria

sexta-feira, 18 de junho de 2010

SILÊNCIO! NOSSA REVERÊNCIA A JOSÉ SARAMAGO!





SILÊNCIO! ELE CRUZA OS MARES!
JOSÉ SARAMAGO NAVEGA EM NOSSA ALMA/
PÁTRIA DE TODAS AS LÍNGUAS!
NOSSA REVERÊNCIA!

sábado, 5 de junho de 2010

VERDE ESFINGE/A NATUREZA ME RESPIRA/CUIDADO FRÁGIL!!!/05 de junho/dia mundial do meio ambiente///


foto/Lilian Reinhardt
(sítio ecológico de Guaraqueçaba/Paraná/Brasil)


Terra/meu corpo de argila/
Verde Esfinge me respira!
A natureza somos nós!

quarta-feira, 2 de junho de 2010

GARÇAS


pintura/Lilian Reinhardt



Já é tarde
e a noite passou e
não burilou os teus rastros
As montanhas se esfumaram
e muralhas ergueram-se dos abismos
na confluência do zênite e do agora
Nenhum rumor só o sopro do silencio respira
esvoaçando este olhar em decomposição
com seus fragmentos de tempos
de cordas esgarçadas
de alvas garças em seus vôos
silenciadas...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Entre Ausentes


foto/Vito Finocchiaro




Melhor seria ter perdido
aquele ônibus
ou ficado no ultimo vagão do trem
com a boca seca de misercórdia
sem os nós do agora
no vazio da linha desfiando
O tempo
do teu corpo dormentes sumindo
vingando meus olhos sementes
Melhor ter ficado sem paisagem
sem idades
sem infidelidades
entre ausentes

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Descamação




Nenhuma palavra/nenhum som/
só o derramar do silêncio
descama as linhas na prancha...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

NO JARDIM CÓSMICO/PARA RACHA E SEU CÂNTARO DE AMOR


(em amada memória)

A flor no Jardim cósmico
guarda-se nele
misteriosos são os passos da Essência
e sua transmutação
no tempo de argila do vaso
É preciso tirar as sandálias
para caminhar
por entre as dimensões
dos canteiros desse Jardim
e só o coração reconhece
o aroma e a luz daquela flor
que agora se esparge
e que é guardada a voz
naquele cântaro de amor...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

DO VERBO DA OVELHA DA OVELHA DO VERBO






Na lã da infância se guarda o eterno
disse um alfabeto ancião sob florido cajado
de encovado sorriso descovado e de
cerne de cabelos de perfumada ausencia
Se perder do rebanho é como cair a árvore
da gravidade do poema
sem fazer-se renascenças
O eterno guarda o pastor nas ovelhas
da árvore
e o rebanho cuida das sementes
mesmo no vento da boca
O amor é um verbo de renascenças
soprado debaixo da pedra
levita os sonhos dela
e todo rebanho da janela cega
se Ilumina
Mas amarga o sabor do rebanho
do verbo e do pé do verso
quando ficou sem sol sem quarar o poema
e os olhos se encardiram
Mas a lã teima o verbo e esquenta
o gelo da pedra de incenso das nuvens
rebanhos de sementes
perdidos olores...

quinta-feira, 18 de março de 2010

Onde se guarda Chagall?


pintura de Alessandro Sala-Pittore




O velho Fagundes à tardinha sempre aparecia montado na cadeira de palha de fronte ao chalé polaco, de largas tabuas, pintado de amarelo, na confluencia da rua principal. Pela porta aberta via-se a sala silenciosa, com sua mobília escura, com seu jogo de cadeiras e almofadas de crochê e louçarias na cristaleira com um espelho ao fundo que, refletindo o ambiente e os reflexos das louças, parecia esgarçar aquele exíguo espaço. Vez ou outra, mais no canto da sala, quase atrás da porta, aparecia uma mulher, sentada como uma sombra dentro da sombra,como se estivesse resguardada, a pedir licença para sua presença, enquanto o velho ficava a cumprimentar os passantes,levantando o chapéu em esgarçado riso contemplando o rio.
Olho na tela à minha frente, é o velho chalé do Fagundes pintado pelo primeiro pintor da terra por encomenda de uma advogada que houvera ousado um dia alugar dois cômodos da frente do chalé polaco para uma sonhada banca jurídica e que o marido ciumento a impedira e que mais tarde quase ela naquela terra perdera a vida e os sonhos. Percorro a pintura, sinto o cheiro do palheiro do velho Fagundes, ouço o seu riso ennviesado costurado por entre os dentes, os seus olhos já morrentes ,
a voz arrastada. Ele levanta-se, é alto, cospe longe as pigarras do palheiro, parece um velho tronco ressequido, empurra a cadeira com dificuldade, arrastando –a, mas desvencilha-se dela como a saltar do selim de um cavalo, usa suspensórios para segurar as calças e um chapéu de feltro surrado para não fazer tanta careta para o sol como faz. Estou no escritório da advogada de fronte a praça principal da cidade. Sei que este escritório é a primeira banca jurídica da cidade. A tela decora a parede da pequena sala cercada de livros e ela debruçada sobre calhamaços papeis, não percebe que nós, eu, a tela, o Fagundes atrás dela e a cidade pela janela a contemplamos . O chalé do Fagundes me sorri, ele não existe mais, em seu lugar foi erigida uma construção cúbica e lúgubre onde mora hoje um protagonista insólito que cultiva um singelo jardim com trepadeiras em pérgulas.
A esquina continua no mesmo lugar, mas, sem a casa amarela do velho Fagundes e seu neto obeso à frente. Este era um garotão gigante e balofo com cara de bebê e que sempre estava por perto do ancião.
No telhado da casa do Fagundes procuro por Chagall, sei que um dia ele passou por ali...

terça-feira, 16 de março de 2010

ESSA DANÇARINA LUZ



pintura de NGUYEN THANH BINH




Essa dançarina luz


De onde vem
para onde vai?!
Vibra o ponto
que importam as geometrias...

Nas tuas flores
o fóssil dos meus átomos
Meu senhor
arco e arqueiro sob o plano
esta minha gota de orvalho
é fio d'água perdida
com seus ramos
Toco-lhe o umbigo
ressoa o silêncio recaído verde
geometria da palavra
caem as folhas
os versos soltos
balouçam no espelho a minha noite cansada
à janela ouvem-se estrelas
enquanto as bolhas secam ao sol


Toco-lhe as sandálias
afunda-me os pés em sua areia quente
queima-me essa gota
em sarça ardente
-Onde estás?
Eu te pertenço com meus ossos
com os passos das minhas sombras

quinta-feira, 11 de março de 2010

TEMPORAS TEMPORANEIDADES








Dorme essa minha cidade
dorme ainda com esse corpo de pão amanhecido
dormem os trigais dormem os gemidos
entre as agulhas as ogivas não dormem
Mas dorme acesa a lâmpada de ontem
dorme ainda a abelha/ a colméia não dorme
dorme a ferida e aquela criança
dorme o cão guardador de homens
no asfalto cego da madrugada
dorme a luz sob o pessegueiro recém nascido
e o umbigo das minhas sombras
no espelho é rosto teu entre os meus adormecidos
É noite ainda nas temporas da memória

sábado, 6 de março de 2010

LÍRICAS DE UM EVANGELHO INSANO/POEMAS




LÍRICAS DE UM EVANGELHO INSANO é uma coletânea de poemas esparsos
de Lilian Reinhardt, disponível em book on line no link:http://www.bookrix.com/_title-en-lilian-reinhardt-liricas-de-um-evangelho-insano

quinta-feira, 4 de março de 2010

MEMORIAIS DE SOFIA (Zocha)



MEMORIAIS DE SOFIA (ZOCHA) de Lilian Reinhardt compreende
uma coletânea de crônicas e prosa poética, em publicação
em book on line, no link :

http://www.bookrix.com/_title-en-lilian-reinhardt-memoriais-de-sofia-zocha

quarta-feira, 3 de março de 2010

O QUE EU NÃO VEJO!


pintura/Bruno Di Maio




A realidade além
que pode ser tudo
e muito mais...
daquela que eu penso
que me vê!

terça-feira, 2 de março de 2010

AS LEIS CÓSMICAS SE CUMPREM...INDEPENDENTE DA MINHA COMPREENSÃO


imagem/Nuaray Engin





As águas escorrem pela ampulheta das minhas mãos, o sol acende os olhos dos homens todas as manhãs e desde a madrugada principia a dança cósmica do ressurgir. Independente dos meus cálculos e das minhas proposições de pensar e angústias de sentir, o fluxo do mar respira em mim e no pó que me inflama. A essencia habita o labirinto do meu sentir, o sangue em elixir se apura em decantamento no meu cântaro de barro. Independente do meu orgulho e da minha presunção, independente da minha vaidade, do meu exílio, ouço as vozes do silêncio que não entendo, curvo-me diante da beleza que busco, porque poderosas leis se cumprem enquanto miro extasiada, sem nada ver ou entender com esse rosto tão frágil refletido no espelho do tempo; independente da minha compreensão, dos meus saberes e das minhas aquisições e bagagens, independente do oráculo da minha dor e do meu amor, a lei cósmica se cumpre...


www.lilianreinhardt.prosaeverso.net

sábado, 27 de fevereiro de 2010

ESTA NÃO É UMA PARÁBOLA DA 'BOBA' DE MALFATTI!


tela/A BOBA de ANITA MALFATTI


Ela descascou versos
e plantou maçãs em queda livre
fez bicos rendados de seios em volta de panos de algodão
à espera-lo
pintou trigais trocados em arraiolos
confundiu o repicar dos sinos
quando ouviu ecos da madeira caindo na floresta como galopes
de seus passos
como escutou Plath...
e acudiu que era o verbo
mas a leveza e o peso da razão
pedra falsa
ao largo lago
revelou o in(fiel) da pena de Anúbis

e ela teve que retroceder
pelo mesmo fio
que tecera para as rendas
agora já tíbios rios desfiados pelo vento
e ela ficou
assim sentada sonhando
..sempre sonhando

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

FLORES DO TEMPO


Tenho apenas essas flores do tempo
flores do agora
guardo apenas esses sorvos da hora
mas o infinito recurva-me os horizontes
e floresço também com esses olhos
nas pétalas dos teus
pelos domos salgados
lírios dos teus montes
tenho apenas essa vírgula
essa vigília
esse pouso essa colméia
esse vitral guardado
esse ponto ensimesmado
peregrino
sobre as sombras de todas as coisas