quinta-feira, 18 de março de 2010

Onde se guarda Chagall?


pintura de Alessandro Sala-Pittore




O velho Fagundes à tardinha sempre aparecia montado na cadeira de palha de fronte ao chalé polaco, de largas tabuas, pintado de amarelo, na confluencia da rua principal. Pela porta aberta via-se a sala silenciosa, com sua mobília escura, com seu jogo de cadeiras e almofadas de crochê e louçarias na cristaleira com um espelho ao fundo que, refletindo o ambiente e os reflexos das louças, parecia esgarçar aquele exíguo espaço. Vez ou outra, mais no canto da sala, quase atrás da porta, aparecia uma mulher, sentada como uma sombra dentro da sombra,como se estivesse resguardada, a pedir licença para sua presença, enquanto o velho ficava a cumprimentar os passantes,levantando o chapéu em esgarçado riso contemplando o rio.
Olho na tela à minha frente, é o velho chalé do Fagundes pintado pelo primeiro pintor da terra por encomenda de uma advogada que houvera ousado um dia alugar dois cômodos da frente do chalé polaco para uma sonhada banca jurídica e que o marido ciumento a impedira e que mais tarde quase ela naquela terra perdera a vida e os sonhos. Percorro a pintura, sinto o cheiro do palheiro do velho Fagundes, ouço o seu riso ennviesado costurado por entre os dentes, os seus olhos já morrentes ,
a voz arrastada. Ele levanta-se, é alto, cospe longe as pigarras do palheiro, parece um velho tronco ressequido, empurra a cadeira com dificuldade, arrastando –a, mas desvencilha-se dela como a saltar do selim de um cavalo, usa suspensórios para segurar as calças e um chapéu de feltro surrado para não fazer tanta careta para o sol como faz. Estou no escritório da advogada de fronte a praça principal da cidade. Sei que este escritório é a primeira banca jurídica da cidade. A tela decora a parede da pequena sala cercada de livros e ela debruçada sobre calhamaços papeis, não percebe que nós, eu, a tela, o Fagundes atrás dela e a cidade pela janela a contemplamos . O chalé do Fagundes me sorri, ele não existe mais, em seu lugar foi erigida uma construção cúbica e lúgubre onde mora hoje um protagonista insólito que cultiva um singelo jardim com trepadeiras em pérgulas.
A esquina continua no mesmo lugar, mas, sem a casa amarela do velho Fagundes e seu neto obeso à frente. Este era um garotão gigante e balofo com cara de bebê e que sempre estava por perto do ancião.
No telhado da casa do Fagundes procuro por Chagall, sei que um dia ele passou por ali...

Nenhum comentário: