quinta-feira, 27 de março de 2008

MUTABILE

Travessia, sumidouro,
fratura d'água, dentirrostro,
atravessa o escorso do vento,
perde-se além do vidro da ilha,
escorre pela vinha dos olhos,
arriba nos pássaros da estiagem,
não diz a palavra caída,
nem rejunta a perdida sombra,
mas, se encolhe no verso vazado,
recicla de azul o céu molhado de aço,
dorme pelos caminhos murchos
e sob os ossos escreve na
transmigração impressentida...
a rotunda forma de bebidas quimeras,
a impermanência coagulada,
líquido tempo, vazante,
que afunda na garganta, das rosas!...

EU DISSE DE MANHÃS

Eu disse de outros caminhos do jardim,
eu disse o que ontem não escrevi,
mas, deixei escrito lá sobre a imprecisão
da lousa.
Eu disse que da lavra do arco-íris,
sangra silêncios de pólens,
bocados de dálias,
e um vago rumor de cordas,
de sobrevivências, de víveres,
entre escorioses e pruridas ilhas...
eu disse que há guardado no caminho do agora,
uma eternidade de pássaros ,
para em te bebendo do sal,
te cinzelar dentro do cal da retina
dos meus olhos, indefidamente...
e assim como disse esqueci de dizer
sobre os canteiros,
e acabei por recortar picotes dos tinteiros,
e desdizer sobre o absoluto inominado,
aquele que atravessa o vento parado,
que recorta o dobrado punho do tempo,
e como dizem as línguas das manhãs em hortelã,
antes que a lâmina do sol se ponha,
preciso beber óh vida, de novo, do teu veneno!

quarta-feira, 26 de março de 2008

TANGENTIA

Na tangencia das linhas,
sob o dorso coberto do dragão,
o nirvana ácido,
a respiração das ervas,
o entalhe da audácia,
terra, tu me tens agora,
agora nesse ruído
do salto d'água coagulado,
na incerta substância negra dos meus sonhos...
no caminho das manhãs,
que se abrem e se fecham
em ausentes permanências,
enquanto as nuvens se deslocam
e não decifram vôos,
e sou indefinidamente tom
e desejo absoluto!...

terça-feira, 25 de março de 2008

UMA LINHA D'ÁGUA

Com esta pele d'água
te bebo no espelho,
além da transmigração dos segredos,
além dos estranhos reinos dos ossos,
entre os esboços das rosas,
no rosto do chão,
na noite marinha da montanha,
na fermentação do absoluto magma da fera,
essencialmente na lâmina do tempo,
nesta linha perdida d'água!...

OS CINTURÕES DE ZAVADSKI

"executo meus versos na flauta das minhas vértebras..."
(Maiakóviski)

(Carroção do Tempo (dos polacos))

Uma tênue linha de terra pincelada
sutura dolorosa o céu e a terra
na linha do horizonte,
e a luz do crepúsculo
outonecida ressumbra da tua
túnica de guerra,
do teu sabre e do manto do mistério.
Cícero! Catilinas! Éditos!
Bárbaros! Cristãos! Patrícios! Plebeus!
Apátridas! Polska fragmentada!
Gritam as ruínas do homem em teu peito,
bárbarie! civilização!
Oceanos vencidos,
barcos naufragados,
febres, excitamentos,
racionalidade, luzes...
Modernidade e o sujeito dos modernos
nos vórtices das mãos,
titãs aclamados,
Atlas ensandecido,
cinturões de roseirais plantados,
de verdes legumináceas florados,
na orla das cidades, dessas terras geladas
do Paraná,
lavram denúncias brasilianas do pão!
Palavras perdem-se pelos caminhos,
memórias históricas soterradas,
o filósofo diz ," todo documento de
civilização é documento de bárbarie,"
e a razão bárbara que violenta é
ferro vermelho dessa estultice,
é grunhido ardiloso dos instintos,
experiência e miséria humana,
holocausto de "paidéia",
de uma inarticulada língua interior
ainda da alma...
borboro...barbaricô!!!

sábado, 22 de março de 2008

COMPOSIÇÃO

Tomba da cruz a sombra e o escaninho.
Entre os espinhos e as vírgulas,
oceanos debaixo de cidades mortas
reverberam meus ossos
e um amor do outro lado do mundo,
do madeiro, com o sândalo de seu manto,
com seus cravos me envolve.
Agora, ainda é dia aqui!
Que horas seriam aí?!!!...

sexta-feira, 21 de março de 2008

UM CANTO GREGORIANO

Na concha dos olhos, o gesto,
pinceladas eloquencias...

Andromedas reescavadas,
joaninhas em revoada pousam.

Cantares estercam tinturas,
altares-partituras, urdiduras rasgam-se,

estilhaços monofônicos,
hiatos reincineram,

retocam rosais negros de lúbricas bocas,
luas enlanguescidas!

Ensandecidos reverberam-se desejos,
botões de invídia pejam,

pétalas se reabrem e morrem
licorosas, arquejantes, intumescidas!...

segunda-feira, 3 de março de 2008

ISTO NÃO É UM POEMA PARA MAGRITTE

O poema é feito de azeite?
me gusta levedura natural,
misturo alho com leite,
um céu sem continente, sem novelo, hibernal,
isto não é um poema, não é uma prosa,
não é uma pátria, mas, talvez seja uma rosa,
uma coxia, mas, nunca um tribunal,
ou será um funeral ocidental,
talvez, um corrimão, uma demão,
um par de tênis deixado no corredor,
um condenado à espera da hora da câmara,
um poema pode ser bem uma tentativa,
uma nova nomenclatura de Marselhesa,
um delírio tremens de existir,
um endosso de Lombroso,
ou um cascalhar de algum grafite pelos riscos
dos Rios, das favelas deste país, sem chão...
de subsistir, de inexistir,
de rumorejar, de ser e retroceder,
de retrilhar os sonidos da contramão.
Um poema talvez nunca tenha a sua hora
do feijão. Mas, talvez possa pincelar texturas,
com pátinas de gemas de tempo forçado,
ainda não vivido,
de amadurecer pomos de amores d'outros
coalhados,
no mó do gozo arrendado.
Tudo talvez, seja o todo num poema que seja
e não seja, palavras soltas, apenas palavras,
sílabas mal calcinadas,
sinais perdidos na estrada,
só pra lembrar bolhas de palavras,
de Hiroshima, de sabão?!!!