quinta-feira, 28 de julho de 2011

MANCHAS


pintura/Manabu Mabe


Uma mancha obscura e a figura
se desfaz na pincelada
A manhã escureceu
engolem-se
os asteriscos no céu
na linha do horizonte o sfumatto
Afogará a noite o seu rosto
encardido de manchas...

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sua hora sempre com


pintura/Paul Klee

(Memoriais de Sofia/Zocha)

Quando a noite enluarada prateava e transgredia a escuridão acontecia o milagre da rendição. Os canteiros verdes das alfaces
afofados um a um irrompiam sob a senha dos olhos e acontecia agora transformarem-se em rosais prateados. Quem a visse sob o sol quente com lenço e chapéu na cabeça transplantando as mudas uma a uma desconheciam as contas daquele rosário. Esterco de galinha, bosta seca de vaca, folhas secas e espigavam o milharal de folhagens, as avencas e a varanda se vestia e sob o telhado do velho paiol o rendilhado do maracujeiro com suas floradas e seus frutos cheirosos levitava a noite de Araruna com os seus canteiros...Havia o passeio das sombras escuras na alma. O passeio das estrelas mortas e das esperas sufocantes, havia paredes que se erguiam até a cumeira dos céus e Zocha via quando de lá despregavam-se suas lágrimas...

Mas,o abacateiro gigante, no fundo do quintal, qual um farol de vigia sob o verdejante mar das suas hortaliças, aconchegava os pomos verdes, orvalhados, a areia azulada revolvia a aspereza dos pés. Havia em suas mãos um estranho cinzel que ao manipular a substancia das sementes acontecia a transformação da tela. No terreiro o feijão abria as vagens, as tranças de cebolas cheirosas espargiam-se sob o olhar dolente da carroça cansada do cinzelar das mãos daqueles invisíveis arreios. Não havia hora, sua hora sempre era com o cantar do galo, havia uma tábula sempre a escrever e quem diria que ela se habitava insólita, carregando o gume da adaga e que, ele distante sempre chegava tarde e raramente a via naquele despertar....

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Se houvesse alguma palha


imagem/www.olhares.com



Chorava Juanito pedindo pouso e ela o enrustia entre os frágeis galhos de seus braços,sob o manto e o panejamento da ramada de seus cabelos desgrenhados que faziam ninho.
Mas havia frestas por onde a lágrima da neblina passava. A cada badalada do relógio distante, mais congelavam as tintas da noite e o pequeno mais aconchegava-se naquele pouso frágil e imantado. Eram ambos ali...enquanto os passos iam e vinham agasalhados e a névoa diluía os olhares que de soslaio se desviavam daquela mancha escura no lusco-sob sob a luz sonolenta, apenas passos, nenhum cachorro a revirar algum latão de lixo próximo. Quem ousaria chegar sob aquele breu de feno fustigado, hora maltratada, noite despousada para Juanito e ela...adormecidos um no colo do outro da escuridão, única sombra?... Ah se houvesse alguma palha, um coxo naquela escuridão faminta...ninguém os via a não ser a luz do altar sempre acesa, entrelaçados jaziam na pedra aos olhares de pedra que só a pedra os via...

sábado, 16 de julho de 2011

Enquanto Vivos


(Memorial de Sofia/Zocha)


Era hora da pausa,do intervalo. A imensa sala vazia,como um plenário, com mais de cem carteiras dispersava os olhos.Ela via-se caminhando por entre lápides daquele cemitério de vivos,como num jardim labiríntico. Os sapatos afundavam na grama, os olhos perdiam-se pelas tabuletas memoriais com os nomes gravados nos granitos e pisava-se ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,
O estrado alto da imensa sala de aula levantava senhorialmente a mesa do mestre até o teto.
Da cantina o cheiro do café expresso e o gosto do inverno que cozinhava, aos poucos eles ressuscitavam e retornavam ..
Escadas, simplesmente escadas largas e aquele remoinho, cada um tinha um número e um crachá e uma letra, para não se perder, enquanto vivos ....

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A menina e a parábola/Memoriais de Zocha


desenho/escritas s/título
Lilianreinhardt






(Memoriais de Sofia/Zocha)

Houve um tempo, diz a verdade da lenda que o hímen do mundo fragmentou-se e descarilou a linha do comboio. Que numa grande explosão de amor cósmico o orgasmo nuclear fracionou o corpo de Osíris em tantas partes quantas houvessem por viverem e renascerem e que o mundo o cerzisse... Assim, a menina Zocha ouvia os testemunhos no Oráculo da infância e não entendia onde poderia encontrar esses fragmentos e como sutura-los novamente e cozia infinitamente, sempre, uma colcha de retalhos que avó Arminda (postiça) havia lhe ensinado a fazer. Cortar cada pedacinho de pano e dar um nó num saco de rústicas fibras, e assim ir cozendo de nó em nó o tear até compor um tapete voador que sobrevoasse o mundo ultrapassando o tempo. Da janela pequenina do sótão da casa polaca do bairro do Cajuru, bordada de beirais de lambrequins, entre as araucárias, ela cozia as linhas do mirante do horizonte. Mas, a rodovia chegou para construir um viaduto desnivelando a casa e afundando suas vistas e ergueu uma muralha sobre o pergaminho do tapete mesmo sob a primavera parindo as flores. Afundavam as fronteiras, separavam-se jardins e quintais e só restava ao fundo o mirante daquela araucária acesa esparramando tapetes de grimpas e rosacéas de pinhas voadoras à alma da menina da parábola...

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Lilian Reinhardt