terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

CARROÇÃO DO TEMPO (dos polacos)

" (executo meus versos na flauta de minhas vértebras...)"
Maiakóviski


Já faz um número de poentes,
de sapatos gastos,
que o carroção dos polacos
apeava com seus cavalos mansos,
à porta do bangalô, na Vila Guaíra,
com o comércio das porcelanas.
Vinham acondicionadas em caixotes
de madeira, com palha de milho,
e eram trazidas da cidade de Campo Largo.
Ficávamos dependuradas, eu e minhas irmãs,
nos sarrafos da cerca
mastigando a lanha das felpas,
como trapezistas ansiadas,
com os olhos brilhantes espiando as compras.
A polaca de lenço branco até a testa
tinha a pele enferrujada como a minha
e minha mãe orgulhosa,
ia montando palmo a palmo
na cristaleira de pinho envernizado,
dos móveis novos da sala de jantar,
a louçaria delicada que comprava,
uma a uma, a prestação,
e que vinha como relicário,
transportada pelos estradões de pó virgem,
por aquele pesado carroção...

domingo, 10 de fevereiro de 2008

OS ROSEIRAIS DE ZAVADSKI

(Carroção do Tempo (dos polacos)

" executo meus versos na flauta das minhas
vértebras..." (Maiakóviski)


Ao longe, do espigão da curva
da poeirenta estrada,
onde os olhos pasmam os gemidos do tempo
ouvem-se ainda, os chiados do pesado concerto
do carroção que acaba de chegar da cidade,
onde foi levar a última colheita
de abóboras, repolhos, batatas, milho,
feijão...No varejo do tempo fez
a entrega da produção da ceifa.
Zavadski na chácara, em Araucária,
entre os roseirais acompanha
os gemidos daqueles roldões...
por momento lembram-lhe
as sirenes dos campos de refugiados...
lembram-lhe os girassóis humanos amontoados
nos comboios...lembram-lhe...lembram-lhe...
O acorde silencioso daqueles gemidos dobram,
cortam o silêncio dos roseirais, sob o concerto
da manhã passarada. A manhã orvalhada lhe acaricia
a concha dos olhos...
Noite e dia os roseirais de Zavadski lhe comem as carnes.
Desde que chegou às terras geladas de Curitiba
sentiu o aconchego polaco de sua Polska distante,
desde que acordou num tempo vazio,
compreendeu como Napoleão,
que a geografia tem muito a ver
com o destino do homem.
Assim, o cumpria desde que havia percebido
que sua alma carregava a pátria
também nas memórias de seu corpo
e que sobre sua pele os espinhos dos roseirais
haviam escolhido o seu duro granito.
E sob a incandescência as lágrimas
lhe brotavam quentes entre os desvãos,
quando do suplício das brotações...
Agora era possível entende-lo
com as Catilinárias de Cícero, os dativos,
e genitivos, os vocativos , os nominativos das declinações,
ouvindo-o ao toque da batuta daquele giz
sob o halo da lousa fria
e compreender o porquê lecionava aulas de latim,
no Colégio Estadual do Paraná,
com as unhas sujas de terra!...

sábado, 9 de fevereiro de 2008

UM TEMPO DE SOFIA (zocha)


...en(canto) e decantamento do tempo..
.A vida era assim...ela
me disse: que quase...
quase entendo voce tempo!
Mas, ainda bem que no beiral,
comensal, terminal,
sempre fica uma beiradinha
na vagueza,de incerteza,
- o dilúvio, vesúvio, a salvação?!
As margens ou entre linhas da pauta,
entre bemóis,noz, nozes e sementes...
dó(i) jequitibás, ausentes...
Sabe, gostaria...queria falar com voce,
será que falaria? Rumino o halo!
Sou de caprichos...falando entenderia?
...quase...mas...não posso entender voce,
será que...? Não, (sou) o mundo,
não entenderia...replico,
que é o mundo, a emoção,o segundo,
...pergunto.-gosto de descompreender,
é emocionante! diz , -hilariante?
digo, entoaria... de(canto)!!!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

SIMPLESMENTE SOFIA (zocha)

Sofia encaracolou os cabelos louros
de polaca lambida.
Hoje, em algum lugar do presente tirou
a blusa de cambraia branca com rendilhas
nas bordas da gola
e irreconhecível caminha entre as cercanias
do jardim, de lenço, chapéu de palha e
botas com o tesourão nas mãos.
A cada picotada no pescoço das roseiras,
atira longe os galhos imprestáveis,
que seu Lucas marido (lukinha) cata
e depois deixa limpinho o terreiro,
porque o chão se reescreve e escrever
como dizia Clarice, pode ser uma
forma de abençoar uma vida,
que não foi abençoada.
São Tomaz de Aquino chegou com Aristóteles
da Abadia de Tomáz Coelho, cidade colonizada
pelos poloneses no Paraná, com Geraldo.
Observam a teologia de Sofia e este último tem
dificuldade em entender as suas oxítonas
e as equações riscadas no afofamento da terra.
Geraldo é o sobrinho quase padre católico que
observa os movimentos rítmicos de tia Zocha
entre as cortadeiras formigas.
Se, o canteiro é água, ar, fogo e terra, pisca
pra Graça, sua amada, por quem deixará a batina,
afofando tudo com o sopro do zelo,
não é difícil tentar descompreender o jardim...

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O JARDIM DE SOFIA (zocha)

"executo meus versos na flauta das minhas vértebras..."
(Maiakóvski)

Os jardins suspensos da Babilônia seriam

os altares da nossa infância?

A infância é uma pátria perdida, um lago congelado

onde adormecidas jazem as ogivas da memória,

o coachar da saparia no banhado em orquestral remanso

de escuridão límpida...?

Contra o azul do céu ergue-se em esplendor ainda,

de possante nave,

a ogiva metálica da Igreja Ortodoxa Bizantina,

no alto da colina da Vila G.

Dobram os sinos dos carreiros daquele bairro pobre,

pulsando suas vielas...

As valetas enormes ladeiam aquelas ruas sulcadas

pelas nossas andanças.

Valetas crateras que a lâmina do tempo

não cerra os olhos de minhas vaganças.

Piso ainda dentro delas e afundo os pés

sobre o areião movediço quase engolida pela língua

das correntezas...

elas comem pelos beirais as dobras dos barrancos,

decepando as raízes mal nascidas, levando os seixos perdidos,

rolando os mós do tempo!

Dobram os sinos, repicam os sinos da Igreja Ortodoxa,

Maria-Ave olha dos meus olhos, mira os céus do bairro pobre,

busca a palavra perdida:

-Céus de Sienkiewicz, de Maiakóviski, de Trevisan,

de Kollody? Quo Vadis minha alma, minha terra,

minha mãe, meu pai, meus irmãos, barro puro do meu chão?

Meu suburbio natal de Curitiba,

das taças ogivas das araucárias,

aparando as geadas com suas cúpulas

convexas a recolher o congelo de orvalho caindo dos céus...

Essas polacas cúpulas redomam a agonia

dos meus gelados ares.

No jardim...acocorada entre os canteiros,

de cravos, crisântemos, mosquitinhos,

dálias, Zocha, simplesmente Sofia, a vizinha

em frente à nossa casa, mãe do polaco lambido Leontcho,

faz as regas da tardinha, enquanto dobram os sinos

da igreja ortodoxa com sua cúpula bizantina,

chamando para a missa a sexta hora.

Os santos ainda estão cobertos!

Afofa a terra com esterco do galinheiro,

enquanto do outro lado da rua, Florami,

mulher do funcionário do Tribunal,

jaz decaída sobre a cerca do portão

procurando na rua o bosquejo da vida...

Seu olhar semi morto desmaia a mesmice

e parece alheio ao brado dos sinos,

escorrendo pela água do bueiro,

pelas valetas desbeiçadas das correntezas de fundo falso...

enquanto do jardim suspenso,

gritam as dálias, os girassóis de Zocha,

mirantes sobre o cadafalso!