domingo, 8 de abril de 2007

SEM TÍTULO VII

Folheando as páginas do tempo, esta minha relatividade de consciência me enleva, me destreva e deixo-me por ela ser guisada, maltratada, versejada. A água que escorre da
alma e do corpo carrega os seixos e lentamente, à medida que o fogo aquece, assenta-se o pó e emerge no espéculo do vitral, o rosto de hoje, do agora, do ontem, que não é o mesmo
do anteontem e não será o de amanhã. Vidraça embaçada, o hálito do tempo desenha os ideogramas do presente. Caligrafia chinesa milenar, dos meandros de intensas e insólitas buscas humanas. Escrevo e quero desenhar ideogramas de chuva sobre a vidraça. Do outro lado a paisagem secreta do outro que eu não conheço, que nunca conhecerei, mas que meu ser reverencia...e, assim no reverso que nos delimita, apenas a vibração do olhar, do espaço que nunca cede, do tempo que abre valas, da ampulheta que retalha, do poço que se escuro é guardador de serpentes, é também fiel reservatório de água pura. Nesta visão multifocal da minha consciência fragmentada, esforço-me para não pisar com minhas
sapatilhas de chumbo sobre a plantinha que ontem agoei. Sofreria muito se essa plantinha variada e arrancada fosse um dos meus filhos. Esforço-me para conter o grito da besta que saliva diante da carne viva exposta no prato alheio e acarinha açucenas no berço do próprio prato. Já disse em algum lugar, esforço-me para não recitar peixes aos meus filhos e pedras ao mundo! Esforço-me por cair sobre a lama desse espéculo e conter os vazamentos da minha ira, com a compreensão de que meu rosto também contém vazantes e desvãos. Ao longe singro-me entre meus vales e montanhas e ouço na réstia de vento as vozes do mundo,
do mundo primeiro e mensageiro do meu eu interior que me conduz à própria câmara e me direciona sob as folhas que de mim salpicam das grutas, da minha selva...cujas grimpas sempre me assustam com seus estalidos sob as chamas da sarça...porque a prosa do mundo, a escrita das coisas sempre recomeça...

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