quarta-feira, 18 de junho de 2008

DEPOIMENTO PESSOAL (1)

www.defensormaldito.com

(líricas de um evangelho insano)


À minha frente o escrivão no computador:
- A senhora pode sentar-se aqui...por favor!
Arredam-se cadeiras, olho o rosto encovado do menino de vinte e poucos anos, com barba mal feita, cachecol branco torneando o pescoço, lábios partidos e amarelecidos de frio e de nicotina.
- Qual o seu nome?! me pergunta seco.
- Fixo-lhe os olhos, sei que ele não me vê, nem eu o vejo...
Ah...meu nome? Qual seria mesmo o meu nome?
Sinto os pés gelados, a redoma inteira do meu corpo transpira o gélido tormento frio da angústia. Lembro-me de Kafka.
- Seu nome senhora?!
Sua carteira de identidade, por favor?
Reviro a bolsa, reviro...reviro tudo com meu olhar. A sala branca, gélida...uma figura escura debruçada sobre um grosso volume de versos no centro da mesa num patamar maior parece ser profundamente distancia nessa câmara – Difícil achar a identidade...não acho...reviro...reviro meu olhar....onde estaria eu dentro da minha bolsa... e não me encontro...não me encontro!!!
E qual seria o meu nome mesmo?! Sinto uma liquidez calcinante de placentas lamber-me da cabeça aos pés e um esquizofrenico torpor de uvas incestas na boca, mas, se não estou dentro daquela bolsa, nesta sou e estou só com alguns pertences que não me pertencem, arrendos, tudo arrendado... semoventes como eu, camelo, peixes, agulha, pedra, fósseis, verbos...viu? ! E, o meu nome....ah...um momento!
- Chamo-me Dor.... já lhe passo a identidade!

Um comentário:

Madalena Barranco disse...

Querida Lilian,

Você me surpreende a cada nova poesia, ou seria melhor dizendo, a cada evangelho do dia-a-dia da vida "insana" pela qual passamos? Procurar-se na própria bolsa, leva ao fundo do espírito, que ainda contém botões e zíper inexplorados. Amei!! Beijos.