domingo, 3 de fevereiro de 2008

O JARDIM DE SOFIA (zocha)

"executo meus versos na flauta das minhas vértebras..."
(Maiakóvski)

Os jardins suspensos da Babilônia seriam

os altares da nossa infância?

A infância é uma pátria perdida, um lago congelado

onde adormecidas jazem as ogivas da memória,

o coachar da saparia no banhado em orquestral remanso

de escuridão límpida...?

Contra o azul do céu ergue-se em esplendor ainda,

de possante nave,

a ogiva metálica da Igreja Ortodoxa Bizantina,

no alto da colina da Vila G.

Dobram os sinos dos carreiros daquele bairro pobre,

pulsando suas vielas...

As valetas enormes ladeiam aquelas ruas sulcadas

pelas nossas andanças.

Valetas crateras que a lâmina do tempo

não cerra os olhos de minhas vaganças.

Piso ainda dentro delas e afundo os pés

sobre o areião movediço quase engolida pela língua

das correntezas...

elas comem pelos beirais as dobras dos barrancos,

decepando as raízes mal nascidas, levando os seixos perdidos,

rolando os mós do tempo!

Dobram os sinos, repicam os sinos da Igreja Ortodoxa,

Maria-Ave olha dos meus olhos, mira os céus do bairro pobre,

busca a palavra perdida:

-Céus de Sienkiewicz, de Maiakóviski, de Trevisan,

de Kollody? Quo Vadis minha alma, minha terra,

minha mãe, meu pai, meus irmãos, barro puro do meu chão?

Meu suburbio natal de Curitiba,

das taças ogivas das araucárias,

aparando as geadas com suas cúpulas

convexas a recolher o congelo de orvalho caindo dos céus...

Essas polacas cúpulas redomam a agonia

dos meus gelados ares.

No jardim...acocorada entre os canteiros,

de cravos, crisântemos, mosquitinhos,

dálias, Zocha, simplesmente Sofia, a vizinha

em frente à nossa casa, mãe do polaco lambido Leontcho,

faz as regas da tardinha, enquanto dobram os sinos

da igreja ortodoxa com sua cúpula bizantina,

chamando para a missa a sexta hora.

Os santos ainda estão cobertos!

Afofa a terra com esterco do galinheiro,

enquanto do outro lado da rua, Florami,

mulher do funcionário do Tribunal,

jaz decaída sobre a cerca do portão

procurando na rua o bosquejo da vida...

Seu olhar semi morto desmaia a mesmice

e parece alheio ao brado dos sinos,

escorrendo pela água do bueiro,

pelas valetas desbeiçadas das correntezas de fundo falso...

enquanto do jardim suspenso,

gritam as dálias, os girassóis de Zocha,

mirantes sobre o cadafalso!

Um comentário:

Madalena Barranco disse...

Lilian, querida poetisa da pele que reveste a Terra, visitar seu blog me faz sentir cheiro de terra molhada e de todos os elementos em harmonia, ao mesmo tempo em que todas as épocas se entrelaçam... Eu adoro araucárias, pois como você sugeriu: são cálices. Beijos e linda semana com feriado para você.