(Carroção do Tempo (dos polacos))
Quando a tarde cai e as cortinas decem,
pelos deuses, ainda ouço a voz nostálgica
daquele auto falante sonolento
da sociedade Guaíra, anunciando a
chegada e o começo do fim do mundo,
a festa de domingo, a geada de segunda,
a missa bizantina!
A rua Alagoas levanta a poeira cascalhada,
dona Emília acaba de batizar o recém-nascido
e agora está comadre de minha mãe,
mas, quando cai a tarde também cai a vida,
e Odete sua filha moça,
de pernas branquelas e grossas,
com sua bicicleta azul chegará
da fábrica da Linhagem
onde é operária.
Todos os dias leva marmita
no bagageiro da bicicleta
e a noite já pode experimentar
os mistérios do amor...
Paulinho, seu irmão,
espreita-me quando passo,
finjo que não o vejo, não quero saber dele,
oculta-se sempre sob a pérgula de heras e musgos
daquele macabro portão de madeira,
parece uma estátua mórbida
numa cripta medieval,
com suas imensas orelhas de abano,
ouvindo a acústica do mundo!
Não entenderei nunca o destino de Odete,
não entenderei nunca o destino de Paulinho.
Odete se casará de véu e grinalda,
Paulinho será ceifado aos vinte e um anos,
sua mãe se guardará na loucura,
continuará morando no mesmo lugar
e eu mudarei de endereço para pegar o ônibus
e ir pro colégio das freiras...
O muro de Berlim continuará erguido
e mesmo depois de caído ainda assim
não entenderei o destino,
e na Faculdade de Direito,
voce me beijará com seu sorriso
nas escadarias, na praça Santos Andrade,
enquanto o morno sol de inverno
derreterá a geada,
por entre as araucárias...
2 comentários:
Oi, Lilian!:-) Bom dia! Estava no blog do nosso amigo Eder e vi seu comentário. Sou fã dessa sua palavra encantada, rítmica, fluente. Vc e Lucia são duas expressões admiráveis do meu tempo, e de que me orgulho de poder acompanhar. Beijos. Bom domingo!
As pontes que ligam o poeta do seu passado ao futuro são suas reminiscências, e elas são, tristes ou alegres, essencialmente divinas por estar sempre lá escondida em algum canto de sua alma para um dia ganhar vida. Aplaudo-te emocionado. Bjos.
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