quinta-feira, 17 de abril de 2008

NAQUELA CASA DO TEMPO

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(Reverberas de Sofia (zocha)/Carroção do Tempo (dos polacos)))





O pequeno jardim de ripas lancetadas

era amordaçado sempre por uma fechadura

enferrujada no portão. Sob o céu desnudo,

os olhos vesgos do buraco da fechadura

pareciam ter pouca importância naquelas

cercanias que guardavam aquela casa,

entre os arvoredos da rua Goiás. A calçada

de cimento descascado levava até a varanda

de tijolos no umbral das horas...

Ouço o cheiro do bolo recheado de creme de

abacaxi revestido de cobertura de clara de neve,

sob a singela mesa de fórmica vermelha, com bolinhas

douradas, piso correndo entre as pétalas vermelhas

caídas ao chão, o chão tem o ventre quente, a pereira

tá carregada de flores, embora das roseiras pendam

as dores, mas, os cravos cozinham rápido na panela

de pressão, a missa bizantina toca o sino na matriz

de dourada cúpula, Leontcho me olha do outro lado

da rua, o padre Silvio na Igreja Católica toma seu

café gordo sob a ajuda das beatas e nós, naquele dia,

com fome, o espreitamos à porta. Mas, ao lado

do bangalô de madeira espreitam-nos os olhos da

menina Soniasz, sempre pronta a lancetar-nos contra

as filhas de seu Emidio, o crente em constante vigília e a

cascalhar a rua Goiás de cacos de vidros, cuidando sempre

das atenções de Tchenko. Sob as cercas de ripas, Florami,

sua mãe faz a peregrinação diária pelo jardim de cravos,

solitária, acaricia com as mãos esquálidas os olhos

fundos nas covas de seu rosto de cera...parece afundada

no molde de sua própria argila, não consegue compreender

como as abelhas modelam com o próprio corpo a sua casa.

A sogra, de buço crescido carrega os arreios daquele mundo.

Mas, do outro lado de cá, da fronteira, sobre o sofá novo da

salinha desnuda, que como um santuário apenas guarda a

televisão nova marca Empire, com pés ponteagudos, pode

estar o chapéu de camurça cheiroso de meu pai...Quem sabe

terá chegado a noite, com sua maleta de viagem e seus

pullovers de tricot com olor tão estrangeiro para mim...

No guarda roupa de pinho envernizado, não há roupas

suas...mas, meus olhos bastardos estão a sentir-lhe o

cheiro. Sobre a mesa do tempo um copo d'água hoje

dobrável...alguns códigos escrevem agora esses poemas

descartáveis. Meus olhos parecem descartáveis também,

e engolfam, passantes, o avesso do outro lado da rua

do agora, pingam poemas, a gota contorcida, que sobre

o branco papel infringe e delita reincidencias...

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