(Reverberas de Sofia (zocha)/Carroção do Tempo (dos polacos)))
O pequeno jardim de ripas lancetadas
era amordaçado sempre por uma fechadura
enferrujada no portão. Sob o céu desnudo,
os olhos vesgos do buraco da fechadura
pareciam ter pouca importância naquelas
cercanias que guardavam aquela casa,
entre os arvoredos da rua Goiás. A calçada
de cimento descascado levava até a varanda
de tijolos no umbral das horas...
Ouço o cheiro do bolo recheado de creme de
abacaxi revestido de cobertura de clara de neve,
sob a singela mesa de fórmica vermelha, com bolinhas
douradas, piso correndo entre as pétalas vermelhas
caídas ao chão, o chão tem o ventre quente, a pereira
tá carregada de flores, embora das roseiras pendam
as dores, mas, os cravos cozinham rápido na panela
de pressão, a missa bizantina toca o sino na matriz
de dourada cúpula, Leontcho me olha do outro lado
da rua, o padre Silvio na Igreja Católica toma seu
café gordo sob a ajuda das beatas e nós, naquele dia,
com fome, o espreitamos à porta. Mas, ao lado
do bangalô de madeira espreitam-nos os olhos da
menina Soniasz, sempre pronta a lancetar-nos contra
as filhas de seu Emidio, o crente em constante vigília e a
cascalhar a rua Goiás de cacos de vidros, cuidando sempre
das atenções de Tchenko. Sob as cercas de ripas, Florami,
sua mãe faz a peregrinação diária pelo jardim de cravos,
solitária, acaricia com as mãos esquálidas os olhos
fundos nas covas de seu rosto de cera...parece afundada
no molde de sua própria argila, não consegue compreender
como as abelhas modelam com o próprio corpo a sua casa.
A sogra, de buço crescido carrega os arreios daquele mundo.
Mas, do outro lado de cá, da fronteira, sobre o sofá novo da
salinha desnuda, que como um santuário apenas guarda a
televisão nova marca Empire, com pés ponteagudos, pode
estar o chapéu de camurça cheiroso de meu pai...Quem sabe
terá chegado a noite, com sua maleta de viagem e seus
pullovers de tricot com olor tão estrangeiro para mim...
No guarda roupa de pinho envernizado, não há roupas
suas...mas, meus olhos bastardos estão a sentir-lhe o
cheiro. Sobre a mesa do tempo um copo d'água hoje
dobrável...alguns códigos escrevem agora esses poemas
descartáveis. Meus olhos parecem descartáveis também,
e engolfam, passantes, o avesso do outro lado da rua
do agora, pingam poemas, a gota contorcida, que sobre
o branco papel infringe e delita reincidencias...
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