quarta-feira, 27 de agosto de 2008

EMBRIAGUEZ O2

foto da autora: sítio de Guaraqueçaba/PR/BRASIL
"há que fazer calar-se os cães enquanto florescem os roseirais..."
(Youssef Rzouga)
Intertexto com o poema FRAGMENTOS POÉTICOS
do poeta YOUSSEF RZOUGA, de TÚNEZ (TUNÍSIA)
" Viver para sonhar,
é sonhar para viver,
ébrio de O2.
Viver para sonhar
é sonhar para rejuntar
ao último grito de um corvo,
o primeiro grito estridente de Adão.
Viver para sonhar
é sonhar para rimar todo
esse mundo louco
como o absurdo sorriso
de Gioconda...
Viver para sonhar
é sonhar em simbioses,
com os dias que virão.
O que quero
é que chova cada vez mais,
que os verdadeiros artífices (inventores)
invadam a terra. " (Youssef Rzouga)
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Respiro a pedra do meu sonho,
minha pedra me respira,
me embriaga, me lanha,
tento aprisionar nas mãos
de Miguel Angelo
o eco do incontido grito de Trimegistus
na Sixtina,
atravessar pela fresta da porta
do sorriso de Gioconda,
mas, o bisão na Caverna de Altamira
revela-me, denuncia-me!
Ainda sonho
nesta pedra do meu travesseiro,
sonho nessas iluminuras
que te escrevo,
arrepiam-me os corvos
e o aço das metalurgicas
sob os beirais
dos olhos do incandescente
dos meus ossos,
meus ossos estão acesos pelas cordilheiras,
escrevo no vermelho do meu sangue,
o verde do teu nome,
ainda sonho,
as nuvens entreabrem as corolas,
o vento espiga as marolas do mar,
a chuva é uma alegria que chora,
o oleoduto sangra a alma dos peixes,
a terra perde a carnadura,
da vala ainda agora alguém subiu no azul...
www.lilianreinhardt.prosaeverso.net

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

ESTE NÃO É UM CANTO

Monet/Ninféias
(líricas de um evangelho insano)
Este canto ferve a semente,
espirala o centeio,
flama o magma
do corpo,
este canto não é um canto
de azeite.
O grande rio convida
à meditação,
meu véu de neblina
cobre-me o rosto,
o silêncio te fecunda
em mim,
o pano de fundo
é queimado,
o sudário engastou-se
sob a minha pele
d'água,
a cidade morta se
engalana
com seus monumentos
de neón,
mas,
a floresta respira
pelos poros da epiderme
de suas pedras.
O amor é fome desse
submerso jardim,
um vinho ácido
de ancestralidades,
na boca cúmplice
da alma.
Esta ária não dói
nem um pouquinho
na flauta do tempo
das minhas vértebras,
girassóis em golfadas
sob o vitral rodopiam
há muita léguas.
Tiro as sandálias,
teu canto me embevece...
Deixa a eternidade
salgar-te.
Nada sei sobre o mar,
mas ele tudo me sabe.
Ele como tu
emerge com suas turbas
em minha alma
e apreende-me
com as crinas
de suas ondas,
de guizos e crisântemos
coroadas.
Reconhece-me
pelos pés,
sabe dos meus caminhos,
reconhece minhas ninféias
e resvala minha geografia
com seu tato líquido
de ternura.
Deixa a eternidade salgar-te,
a água qual pólen
vorazmente incendeia
o torrão,
nesse corpo de sal...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

VIA ÚNICA

Maiastra/Brancusi

(líricas de um evangelho insano)



Pode haver um sentido

único debaixo dos pés!

Mão única? Única via, diga-me!

Contemplo teu rosto único

de Toten e tuas múltiplas

sombras desenham

esse azul único.

Nos olhos do espelho

os reflexos da cidade camuflada

fervilham abaixo da linha do trem,

sob a escada rolante do arco-íris,

no delta da íris,

muitas rodas de gigantes de íxion,

rodas do tempo d'água,

deste beiral incandescente.

Esse pássaro me acorda

o dia nessa roda gigante,

com suas línguas de manhãs,

em fogo e hortelã.

A cidade eclode seus mortos,

há uma cidade viva abaixo

da linha do trem,

uma cidade de poros acesos,

de membranas diáfanas,

de fósseis regenerados,

debaixo do azul dessas manchas solares,

há escombros dessa cidade pulverizada.

O homem chora diante do monumento.

Mondrian decompõe a geometria da

árvore entre verticais e horizontais,

explodem as tangências do arco-íris,

o ponto da abóboda da catedral, de cristal!

Essa cidade tem rosto de tigre,

gosto de sal ocidental,

esses monumentos projetam

pesadas sombras,

os moluscos reprocriam sob a pedra

que pesa o meu olhar diante de Maat

e não consigo carregar o pássaro.

Maiastra de Brancusi,

canta em mim esse azul,

há muitas vias numa única via,

os alfinetes espalham-se diante

dos monumentos...

sábado, 9 de agosto de 2008

PARÁGRAFO POÉTICO COM A POESIA DE YOUSSEF RZOUGA NA CONTEMPORANEIDADE



"...há que fazer -se calar os cães enquanto florescem os roseirais..."

(Youssef Rzouga)


Com uma vida dedicada à poesia há quatro décadas, escrevendo em várias línguas, o poeta tunisiano YOUSSEF RZOUGA de expressão árabe e francesa experimenta e inova a palavra e sua substância poética na contemporaneidade, reatirculando uma experimentação estética inovadora com a poesia, à qual se infere de uma multifacetada eclosão de visões perspécticas no contexto de suas escrituras poéticas. Seu trabalho é notório tanto na África Setentrional, na Europa como no Oriente Médio.YOUSSEF RZOUGA é natural de Ksour Essef , Tunísia e possui obras reconhecidas mundialmente com inúmeras premiações, dentre elas o Grande Prêmio da Literatura Árabe do ano de 2004, pela totalidade de suas obras, o prêmio Escudo de Diván Al- Arab, Egito, 2005. A experimentação estético-literária de RZOUGA, de singularidade e abrangencia universal apresenta inquietantes caminhamentos de exasperação e inquietação. A sua poesia ao experimentar-se em vários idiomas adentra signos universais da linguagem, percorrendo raízes comuns das várias línguas em que se inscreve, resgatando conteúdos vivenciais, históricos, humanos, percorrendo raízes ancestrais comuns. Se, a modernidade ocidental se caracteriza historicamente como assenta Foucault pela fragmentação da linguagem, com a falência histórica do discurso da representação e consequente autonomia da Literatura, como disseminadora da palavra e depositária de saberes, nesse contexto alinhava-se uma articulação de redimensões no embate da palavra poética que se experimenta em Rzouga. Sua poesia emergindo por entre os escombros da pulverização do sujeito moderno faz profundas reescavações significantes, como a permear e recompor sentidos perdidos de uma linguagem desconstruída e fracionada, como a reabrir na obscuridade brechas por onde possam ser refletidos filamentos de dimensões ancestrais das mesmas vozes da alma, num especial e secreto jardim, como a coexistir essa intimidade de fluxos a Bataille. Sua poesia dissemina a palavra, dialoga rejuntamentos, aspira à interioridade, um caminhamento de dentro, recolhe a inquietude do embate coloquial do instante, o qual condensa com vitalizante pulsação. Como uma pedra que atirada ao lago perfura a superfície e rasga a pele do mundo, as sombrias teias do olhar, a cortina do templo, movimenta elipticamente as dobras labirínticas do ser, abrindo profundidades, criando espasmos, resgatando sensações. Parece apreender os rostos, as faces das coisas, das formas, do agora, do ontem, do amanhã, no tubo de ensaio da árvore cósmica, num retorno a uma inquietação e uma busca interior, secreta, onde da escuridão podem brotar respostas. É móvel, flexível, dura, áspera, sempre inacabada, perscrutante, vitalizadora, "corazon a corazon" como canta, indomável, selvagem, terna, concha que guarda a ostra e sua ferida secreta, a palavra que se enuncia e diz e se guarda, se vela e se revela além do enunciado, buscando a complementação da vivencia enriquecedora, a substância da rosa de carne da palavra viva-alga, água, a mesma substância que pode matar a sede e a fome de um lado ao outro do mundo, caminhante do exterior ao dentro, sístole e diástole, desde a micro à macro-aldeia. Um toque reconhecível de um clarim eclode!!!

...diz a poesia de RZOUGA,

"..um de nós,

tanto gritou

que perdeu a voz...


...ela é como eu,

quase obrigada a dançar

na corrente de ar,

dá-me esse livro,

quero outra asa livre

para voar até alí

no sentido inverso

dos ponteiros

do meu relógio,

quero percorrer

esta distância atroz

para beber esse rio ávido,

outra vez,

deste jardim secreto,

um jasmim tunisiano

vai de viagem,

até alí,

é só abrir a janela,

para apalpar

a verdade branca,

de um cheiro selvagem!...

Só tenho uma flor,

a quem é que me

devo dirigir?

Está escuro em

todo o lado,

é necessário fazer algo!

Faço o que posso,

mas este ascensor está avariado,

por isso devo subir as escadas,

de quatro em quatro,

no rés-do-chão,

há espaço para todo o mundo

sob a égide do vigia (guarda/noturno).

No primeiro, não há ninguém,

no segundo, também não,

no terceiro, nada de interessante,

no quarto, nada de nada,

no quinto, um gato esconde outro,

no sexto, uma porta entreaberta,

no sétimo... até que enfim!

Ufa, a jarra não se partiu! "


"....é preciso fogo

para incendiar o sentido único

da cidade triste..."

"em silencio,

faço o que posso,

um poema para

voce por exemplo...


"está escuro em todo o lugar,

vamos escrever algo no escuro?..."



"...este mar faz parte de minha

aldeia global..."

" nós somos pássaros migradores,

só para voar como deve ser

em forma de um coração gigante,

baixo e alto e no sentido inverso

dos ponteiros de um relógio,

só para ter a possibilidade

de compor outra canção paralela

ao comboio rápido, dó, ré, mi, fá, sol!.."