segunda-feira, 28 de abril de 2008

MORADA DE VAGALUMES

mnemosyne


(líricas de um evangelho insano)



Fagulhas do paiol, no dorso negro do céu crepitam as lavas.

No coração triste do caboclo o palheiro acende e apaga,

os vagalumes do tempo de sua morada!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

SOLO

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(Líricas de um evangelho insano)



Habito a fugacidade do tempo, o éco do instante.

Minha voz é livre, sou solo no éter, na pele do vento,

Bacchianas, cavalgo no dorso animal, do meu deus intenso!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

CARNAÇÃO

imagem: mnemosyne



(líricas de um evangelho insano)



Carnação da concha guarda o tempo da nota.

Na pauta, a nota, átomo líquido,

numa única gota, meu tempo da carne!

sábado, 19 de abril de 2008

TORPOR

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Torpor de começo de inverno,
a neblina cobrindo detalhes agudos das coisas,
no dorso macio do animal torna mais fêmeas as formas...

A VENDA DO RUFFINO

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(Reverbaras de Sofia (zocha))



Tinha queijos espalhados pelo balcão,

grandes queijos lunares, solares, redondos,

apetitosos, curtidos, langorosos, salgados...

tinha salsichos baratos dependurados,

contíguos aos salames cheirosos, ajeitados

às pesadas mantas de toucinhos defumados,

tinha cheiro misturado de comida e armarinhos,

pinduricalhos, copos que se fechavm e se abriam,

o balcão era alto, mas eu esticava os pés e via!

- Balas de goma, venenos de ratos, venenos contra

baratas, gasosa de framboesa, de limão, de abacaxi,

chapéus, muitos chapéus de palha e feltro, ervas de chimarrão,

cuias, bombas, tantos caixotes de lavraturas, caixas

e caixas de banha de porco e vegetal, que a gente passava

no pão com açúcar ou com sal...

Ah, sim, como havia barras e barras de chocolate e de

sabão amazonas. Também, aqueles vidros deitados,

gorduchos de doces, de "nariz sujo", aquele enrolado

de creme amarelo. Tinha balas de ovos, amarelinhas,

incríveis balas com côco, que a gente esquecia sempre

nos lugares impróprios, e os pirulitos então? Melecados

perto da neve dos algodões doces e das marias-moles

envoltas de côco queimado, aos montões, ficavam nos

vidros bem guardados.

Seu Rufino vendia também, novelos de lã simples, mais

baratos, de todas as cores, para todas as idades, que a

mãe comprava na conta e eu fazia os pullovers para

meus irmãos, que Maria, irmã de dona Edília que morava

numa casinha cheirosa na beira da linha do trem, me

ensinava. Ah mãe corajosa!...que quando as panelas

ficavam vazias lá ia ela na venda do italiano Ruffino e

mesmo não sabendo assinar direito o nome, ele a comida

fiada a conta lhe fiava o preito. E, depois, sempre silenciosa

em sua matemática de cabeça, eis que não sabia ler nem

escrever, ela preparava um talharim bem regado ao

molho de tomates e com maionese de batatas e frango

refogado com majerona levava o prato bem embrulhado,

quentinho, em cheirosos panos de algodão alvejado, pra

velha dona Conceição, encravada no leito, no fundo de

um quarto fétido que morava na Vila Lindóia e que em

silêncio ajudava! - Psiuu! quieta menina, segura direito

essa sacola...Me varava firme nos olhos!...



quinta-feira, 17 de abril de 2008

NAQUELA CASA DO TEMPO

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(Reverberas de Sofia (zocha)/Carroção do Tempo (dos polacos)))





O pequeno jardim de ripas lancetadas

era amordaçado sempre por uma fechadura

enferrujada no portão. Sob o céu desnudo,

os olhos vesgos do buraco da fechadura

pareciam ter pouca importância naquelas

cercanias que guardavam aquela casa,

entre os arvoredos da rua Goiás. A calçada

de cimento descascado levava até a varanda

de tijolos no umbral das horas...

Ouço o cheiro do bolo recheado de creme de

abacaxi revestido de cobertura de clara de neve,

sob a singela mesa de fórmica vermelha, com bolinhas

douradas, piso correndo entre as pétalas vermelhas

caídas ao chão, o chão tem o ventre quente, a pereira

tá carregada de flores, embora das roseiras pendam

as dores, mas, os cravos cozinham rápido na panela

de pressão, a missa bizantina toca o sino na matriz

de dourada cúpula, Leontcho me olha do outro lado

da rua, o padre Silvio na Igreja Católica toma seu

café gordo sob a ajuda das beatas e nós, naquele dia,

com fome, o espreitamos à porta. Mas, ao lado

do bangalô de madeira espreitam-nos os olhos da

menina Soniasz, sempre pronta a lancetar-nos contra

as filhas de seu Emidio, o crente em constante vigília e a

cascalhar a rua Goiás de cacos de vidros, cuidando sempre

das atenções de Tchenko. Sob as cercas de ripas, Florami,

sua mãe faz a peregrinação diária pelo jardim de cravos,

solitária, acaricia com as mãos esquálidas os olhos

fundos nas covas de seu rosto de cera...parece afundada

no molde de sua própria argila, não consegue compreender

como as abelhas modelam com o próprio corpo a sua casa.

A sogra, de buço crescido carrega os arreios daquele mundo.

Mas, do outro lado de cá, da fronteira, sobre o sofá novo da

salinha desnuda, que como um santuário apenas guarda a

televisão nova marca Empire, com pés ponteagudos, pode

estar o chapéu de camurça cheiroso de meu pai...Quem sabe

terá chegado a noite, com sua maleta de viagem e seus

pullovers de tricot com olor tão estrangeiro para mim...

No guarda roupa de pinho envernizado, não há roupas

suas...mas, meus olhos bastardos estão a sentir-lhe o

cheiro. Sobre a mesa do tempo um copo d'água hoje

dobrável...alguns códigos escrevem agora esses poemas

descartáveis. Meus olhos parecem descartáveis também,

e engolfam, passantes, o avesso do outro lado da rua

do agora, pingam poemas, a gota contorcida, que sobre

o branco papel infringe e delita reincidencias...

quinta-feira, 10 de abril de 2008

REVERBERAS DE SOFIA (zocha)

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(Carroção do Tempo (dos polacos))


Quando a tarde cai e as cortinas decem,

pelos deuses, ainda ouço a voz nostálgica

daquele auto falante sonolento

da sociedade Guaíra, anunciando a

chegada e o começo do fim do mundo,

a festa de domingo, a geada de segunda,

a missa bizantina!

A rua Alagoas levanta a poeira cascalhada,

dona Emília acaba de batizar o recém-nascido

e agora está comadre de minha mãe,

mas, quando cai a tarde também cai a vida,

e Odete sua filha moça,

de pernas branquelas e grossas,

com sua bicicleta azul chegará

da fábrica da Linhagem

onde é operária.

Todos os dias leva marmita

no bagageiro da bicicleta

e a noite já pode experimentar

os mistérios do amor...

Paulinho, seu irmão,

espreita-me quando passo,

finjo que não o vejo, não quero saber dele,

oculta-se sempre sob a pérgula de heras e musgos

daquele macabro portão de madeira,

parece uma estátua mórbida

numa cripta medieval,

com suas imensas orelhas de abano,

ouvindo a acústica do mundo!

Não entenderei nunca o destino de Odete,

não entenderei nunca o destino de Paulinho.

Odete se casará de véu e grinalda,

Paulinho será ceifado aos vinte e um anos,

sua mãe se guardará na loucura,

continuará morando no mesmo lugar

e eu mudarei de endereço para pegar o ônibus

e ir pro colégio das freiras...

O muro de Berlim continuará erguido

e mesmo depois de caído ainda assim

não entenderei o destino,

e na Faculdade de Direito,

voce me beijará com seu sorriso

nas escadarias, na praça Santos Andrade,

enquanto o morno sol de inverno

derreterá a geada,

por entre as araucárias...

TANTOS ERAM OS PORTÕES...

(Reverberas de Sofia (zocha)/Carroção do
Tempo (dos polacos))

Tantos eram os portões de ripas, com suas taramelas
por dentro, de folhas sopradas nas casas do tempo...
tantos são os fantasmas noturnos que esvoaçam
entre as frestas daquelas cercas de pinho araucária
e açoitam aqueles portões e seguram os olhos,
que ressurgem ,assim, esses esquadros das pulsações da alma,
por entre os morcegos que vagueiam pelos beirais
e reviram as sombras entre os avessos dos chafurdados
porões, entre as réstias dos alhos!...
O céu degela , a vida recomeça.
Comadre Emília não pode mais ultrapassar os portões
de sua casa. Aprisionou-se, tem agora os olhos escavados
nas fundas grutas do rosto, encravaram-se na sepultura
do finado filho Paulinho o já sorriso tímido e os crivos das
das palavras. Nunca mais pisará o pé fora de casa, além
do portão frágil das cercanias de ripas em lanças. Ficará
como sua casa, encravada, circunscrita
entre os arvoredos, entre os beija flores e os morcegos,
entre cravos, flores de cera, begônias e avencas, com a
alma dependurada pelos fios das teias de arame que
seguram os vasos-latas na pequena varanda
e só chegará ao portão e contemplará o mundo
conversando por sinais e grunhidos, com a
polaca Nuska do outro lado da rua e os passantes
que a reconhecerem e ela pensar reconhecer...
A filha Odete acabará por ficar noiva de João,
terá quatro filhos, todos sairão à cara arretada do marido,
construirá uma casa nos fundos, ficará porta à porta com a mãe,
indefinidamente...
entre elas não haverá mais portões,
viverá numa singela casa mobiliada de móveis
de pinho, paneleiro de alúminio,
jogo de cozinha azul com caixão de lenha....e um dia não
muito distante enterrará um dos filhos ainda não nascido.
Os portões parecem alinhavar linhas demarcatórias, bastidores de riscados,
de indefinidas malhas geográficas, afivelar cercanias do pensamento
sob a película da concavidade do tempo,
e armam suas teias, erguem suas colunas,
e enfileiram-se como sentinelas, pensam anteceder
grunhidos, sons,
guardar casas, uns de olhos de ripas, outros, de ferro,
outros e outros de ferrolhos de alúminio, de aço!
Ontem, as últimas chuvas descamaram, descascalharam
a rua Alagoas. Grandes valas se abriram, se descarnaram
da terra com perigosas fendas para o trânsito além dos portões.
Odete continuará trabalhando na fábrica da Linhagem, há
alguns quilometros de casa, indo e vindo com a bicicleta
Axel, beirando a linha do trem perto da Usina de óleo coméstivel
Fanadol e subindo a rampa sulcada pelo degelo das enxurradas,
nas manhãs fechadas da gelada Curitiba. Assim, abrirará e
fechará todos os dias a taramelas do portão de ripas. Não esquecerá
de levar o cachecol de lã tricotado em ponto meia, enrolado em
volta do pescoço e da marmita de alumínio, na sacola de pano,
no porta-bagagem!...


quarta-feira, 9 de abril de 2008

MEMORIAIS DE SOFIA (zocha)

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(Carroção do Tempo (dos polacos))

(no Tempo dos Cordeiros)



Havia um tempo de cordeiros,

havia um tempo de aceiros,

de novelos brancos, de aneis de gelo,

tinha água da bica na cozinha,

as cadeiras toscas de palha

enredavam-se à mesa de pães,

modelados e patinados,

de claras e gemas de ovos caipiras.

Mas, havia também, um lume agonizante

naquela casa,

uma face torturada, uma fixação da morte

que recendia de nossas almas.

Havia um vazio de vento cortante

de casa moribunda,

uma prece vagante, rochosa,

de genuflexão doída, profunda,

uma masmorra gelada, petrificada,

aquela casa era alugada, quase geminada,

sempre acesa de círios ardentes,

o varão, meu pai, sempre ausente,

aquela casa era expropriada!

sábado, 5 de abril de 2008

UMA CANTATA E FUGA

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De onde vens canção minha, de onde vens!

Para onde vais, para onde vais, que me habitas

nesta única gota d'água da minha pena?!...

quinta-feira, 3 de abril de 2008

NA PRANCHA

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Arco e arqueiro, na prancha

minha canção é de vento,

também eu não sei amar!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

CÍNTIA THOME E OS OLHOS DA POESIA




A nossa homenagem nesta página à poetisa, escritora, jornalista, professora universitária, pedagoga, conferencista, especialista em História da Arte Brasileira,CÍNTIA THOME, com vasto percurso de reconhecimentos literários estudou,também,

com o prof.italiano, crítico de Arte Pedro Manoel Gismondi e divulgou trabalhos e artistas -

nacionais com exposições e montagens da Geração 70 e 80 no Brasil, no eixo Rio-São Paulo,

por quinze anos e que participa, ativamente, nos campos literários e das artes plásticas em

nosso país.

MARIA CÍNTIA THOME TEIXEIRA PINTO é natural de Campinas/SP e nos honra

com sua escrita no Recanto das Letras, (onde participamos), de cuja literatura reconhecida nacionalmente, nos brindará com o lançamento do livro de poemas OLHOS DE FOLHA MINHA, no próximo dia 11 de abril de 2008, às 19,00 horas na Saraiva Mega Store (Shopping Iguatemi), de Campinas - Estado de São Paulo.

Os olhos da poesia de CÍNTIA THOME só mirando-os através do espelho de seus versos para sentir e experimentar a grandiosa viagem do sensível humano, quando nos conduz

às profundas e veladas interioridades do ilimitado e incircunscrito Verbo da linguagem da alma!

Saudações poéticas de luzes e sucesso para voce, querida poetisa!



terça-feira, 1 de abril de 2008

DESVARIOS




Enquanto reescavas loucuras,

na funda taça escura

dorme o teu dragão sagrado, morto!

Enquanto reescavas beijos

pelas olheiras das ruas desertas,

desejos fendidos em tendas secretas,
as horas acendem e apagam

memórias...

Quem é voce que simplesmente passa,
que ultrapassa a hora,

que fura sempre o sinal fechado,

que deixa cair a mosca que te ronda no caldo,

que bebe até o fundilho da taça,

que rasga o papel de parede da graça

e mesmo grafitando em solo,

violenta o chão descalço,

esmigalha, borbulha
e coalha sabão em bolhas?!...

Voce sempre se enrola no pergaminho
do quotidiano, eu sei...

ainda ontem te amamentei
rotunda serpente, silente,

não morra , se reinvente!!!

AUTOS E VÔOS





Os retratos como os versos

nos olham, nos vêem, descrevem-nos,
com seus olhos d'asas...
Como folhas dos autos, na moenda
das horas,

amarelam, estremecem, adoecem de traças

roem as mordaças,

pra se habitarem em novas traças...

Retratos como os versos se rasgam,

as palavras se picotam, se sopram

se fragmentam, se amortalham,

se exumam...

Mas, nas lápides os retratos como

as palavras falam

de uma estranha sobrevivência,

da voz e das asas de um silencio que se embala no colo

do próprio silêncio...

nunca adormecido!!!